quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Programa de Índio e Comunidades

É interessante notar que, enquanto nós, brasileiros (pelo menos os do nordeste!), nos divertimos com as peripécias de cada um de nossos parentes em nossas frequentes reuniões de família, tendo cada um sempre uma família bastante grande e repleta de irmãos, primos, tios, avós, cunhados, sobrinhos, sogros, e os parentes destes, nossos amigos, os amigos dos amigos, e os amigos dos agregados da família, as pessoas que vivem em outros países fazem de outro jeito.

... do falecido blog http://programadeiindio.blogspot.com/
Quando fazíamos aulas de Inglês, frequentemente nos sugeriam juntar-nos a grupos de interesse do tipo clubes do livro, clubes de música, clubes de atividades esportivas, como forma de nos suprir de amigos e os parentes que não temos por perto quando vivemos em outro país. Sempre achamos isso “programa de índio”, mas é o que eles fazem com bastante frequência.

As pessoas aqui na Austrália que são nativas estão sempre muito ocupadas. Quando a gente vai ver com o que elas estão ocupadas, é um tal de compromisso pra isso, compromisso pra aquilo, semanal, mensal, trimestral, anual, os quais nós podemos viver muito bem sem eles. Primeiro começa com os compromissos de levar os filhos para as atividades esportivas que não podem faltar de jeito nenhum. Não dá pra entender como é que tanta gente é obesa, sinceramente. Só se for quando crescem e abandonam os esportes que só faziam por imposição dos pais.

Então geralmente todo mundo tem vários troféus esportivos da infância, adolescência, e juventude, e algumas pessoas também têm da velhice. Elas também costumam colecionar lesões físicas, algumas tão graves que aposentam garotos de vinte e poucos anos para sempre. Então, estes compromissos com hora marcada, e geralmente cedinho nos fins de semana, não são adequados para latinos acostumados a dormir tarde e acordar tarde.

Portanto, bem que a gente tentou, mas não deu. Não tem atividade esportiva por obrigação que valha nosso soninho reparador depois de uma semana de trabalho ou estudo. Isso porque nós realmente trabalhamos e estudamos. Não somos como muita gente que faz que trabalha ou só passa de ano porque é atleta. Sim, aqui tem muito disso, neguinho conseguir muitos prêmios porque é atleta, o que desculpa ser um aluno medíocre. E como bom atleta, ele é sempre disputado por escolas particulares que dão bolsas de estudo para estes alunos.

Comunidades

É triste ver atletas ganharem mais honrarias do que realmente bons alunos de cabeça e intelecto, ao mesmo tempo que tem outra categoria de alunos que também costuma ganhar muitas homenagens, aqueles que trabalham para “a comunidade”.

Como se comunidade fosse algo forte neste país, não é? Até parece. Quem mal chega aqui, ouve falar esta palavra o tempo inteiro, comunidade pra cá, comunidade pra lá. Uma vez eu me perguntei a mim mesma, mas que raios de comunidade é essa que esse povo se refere, porque não consigo ver nenhuma. Daí eles dizem, a comunidade do seu bairro.

Okay, a gente sabe o que é comunidade no Brasil, mas aqui não existe nada parecido. Comunidades no Brasil costumam ser orgânicas, naturais, você realmente conhece seus vizinhos, sua família é do bairro, criou-se nele, seus amigos estudaram com você e cresceram, você curtiu muita festa regada a pessoas conhecidas, e até os negócios são seus conhecidos também. Pois bem, aqui não tem isso.

Minto. Agora que vivo em Sydney, posso ver que existe realmente uma comunidade aqui. Porque Sydney não é planejada como Canberra, então é uma cidade mais natural, e principalmente porque aqui tem mais gente de outra raça do que australianos. E gente de outra raça geralmente traz consigo os laços de família e comunidades, sabem fazer amigos, conversam com todo mundo sem medo ou receio, enfim, são “gente”, pessoas humanas. Isso é justamente o que não existe em Canberra.

Então, tive oportunidade de ver mais de perto como é isso das comunidades que os australianos tanto falam. 

Não conseguimos formar uma comunidade de brasileiros em Canberra. Pelo menos, eu e meu marido não fomos aceitos em algumas delas por diversas razões. A primeira delas é que praticamente todo mundo que veio para cá na mesma leva de brasileiros que nós, veio do sul do país, de São Paulo, Minas, Paraná ou Rio Grande do Sul. Só uns poucos vieram do nordeste, então, dentre os brasileiros, somente os do nordeste “nos suportam”. É que parece que os sulistas são preconceituosos ou talvez interesseiros, menos amigáveis do que os nordestinos desbocados. O sulista se parece mais com os australianos, e talvez por isso muitos dão certo aqui e não querem mais voltar.

Sabe-se que os paulistas, pelo menos, são realmente muito neuróticos se comparados com os nordestinos. Eles também são mais eruditos, parecem ter mais educação acadêmica, mas esse é então justamente o motivo deles se acharem superiores e se isolarem até de si mesmos. Já os cariocas não, estes são provavelmente os melhores representantes do brasileiro. O baiano também poderia ser, se não fosse tão escrachado, e nós nordestinos, quem somos nós afinal? Desprezados e discriminados em toda parte, mesmo sendo capazes de desenvolverem melhor qualidade de amizades entre os brasileiros de toda parte.


Festinha na Escola

Pois bem, os australianos quando se juntam nestes clubes organizados, digamos que eles se divertem. Podemos ouví-los gargalharem. É uma pena que não é sobre a história de cada um, mas uma história que não existe, uma ficção que leram ou assistiram em algum lugar. Seria muito melhor se divertirem uns com os outros. Mas o problema é que ninguém sai por aí contando sua vida. A tal da privacidade é uma coisa muito séria e paranóica. As pessoas tornam-se impossíveis de conviver, a não ser nestes acontecimentos sociais programados. Então, tem hora para se divertirem. Chegam às 7 da noite e saem às 10. 

Fecha-se a porta e vai-se dormir, e ponto final. Sem mais delongas, tudo organizadinho. Tão organizado que não pode ser expontâneo. Quer dizer, como é que se pode se divertir com hora marcada? Talvez seja como cachorro que gosta de rotina.

Bem, não é programa para nós. Por exemplo, num clube do livro, você tem que ler um livro a cada duas semanas para debater. Você tem duas a quatro horas para debater e jantar, tomar cafezinho e tal. O livro é decidido por votação, quer dizer, você pode acabar tendo que engolir um livro que não lhe interessa de jeito nenhum, mas tem que fazer. A mesma coisa acontece com música. As pessoas trazem as músicas mais exdrúxulas, você ouve, gostar gostou, não gostou, paciência, e no fim você recebe um CD com uma coletânea da reunião. Bem, você pode vir a conhecer música de toda parte, de todos os gostos e padrões. Isso tem lá suas vantagens, pois de outro jeito talvez você jamais prestasse atenção. Mas onde é que está a expontaneidade? Não seria melhor as pessoas receberem os amigos para conversar sobre a vida delas regadas a música escolhida pelo anfitrião que, se agradar, a pessoa vai lá e procura saber quem é pra comprar?

Isso eles não tem. Nada de falar sobre si mesmos, a não ser abobrinhas de como se deram mal numa viagem, ou quebraram a cara num hotel. Okay, a gente também fala sobre isso, mas a gente fala muito mais sobre nossa família, os problemas de cada um. Talvez seja porque eles não tem família, ou as famílias são reduzidíssimas. Mas suspeitamos que é mesmo porque eles não ligam pra a família como nós ligamos.

Não sei, tudo parece certinho e legal, mas fica um vazio na gente. Já fomos a várias reuniões de “amigos” australianos, e nunca nos sentimos à vontade, apesar do esforço de alguns deles. É tudo muito estranho, tudo muito utilitário, e esse tal de ter hora marcada pra comer o peixe do churrasco é fora do sério, minha gente. Essa mania de não tocar na comida “ex
ótica” que fulano trouxe com receita de outro país é simplesmente grosseiro. Este problema de tomar bebida alcoólica com limites é totalmente sem graça. E as conversas insanas, vazias, e críticas, também não soam nada bem aos nossos ouvidos.

Nem mesmo as comemorações de fim de ano em que a empresa paga um buffet caríssimo e requintado, com direito à dança de salão, nos convence de permanecer e repetir. Okay, a comida é razoável, nunca é gostosa realmente, por causa da tal paranóia dos doces e salgados, então tudo fica com o mesmo gosto, ou seja, sem gosto, aguado. As danças são forçadas, não sai naturalmente, algumas pessoas roubam a cena, a maioria não participa, as conversas são extremamente triviais, não se consegue conversar com ninguém. Eles não estão mesmo interessados em nenhuma conversa, apenas em passar o tempo, e principalmente em atingirem aquele estágio ébrio em que você está meio falando bobagem.

Okay, no Brasil também é assim, mas tem uma diferença. Aqui parece que está faltando alguma coisa, sempre. Talvez seja a hora marcada. Ela nos traumatiza. Pode ser conveniente como for, mas não é humano. A vida não é feita para sermos utilitários, ela é feita para curtirmos, não é para sermos robôs, é para sermos imprevisíveis.

Eu sei que tentamos de tudo e não teve jeito, não nos adaptamos aos programas de índio deles. É muito bonito você ver as pessoas esparramadas na grama nas festas das escolas primárias, com toalhas de pique-nique estendidas, ou também nos concertos ao ar-livre que aqui tem tanto, mas quando você chega lá, a realidade é outra. As pessoas que estão alí geralmente são bagunceiras, as crianças são impossíveis, mal se escuta o show, é preciso um telão para ver os artistas porque não se consegue enxergá-los devido à distância, você já perdeu um tempão pra estacionar, é uma confusão danada no trânsito, nem sempre você fica junto de pessoas agradáveis, inseto lhe pica, é um verdadeiro programa de índio mesmo!

No Brasil, pelo menos antigamente, não sei hoje em dia, a gente poderia se demorar mais num restaurante, conversando. A despedida ficava muito longa e demorada, e no fim a gente ficava com uma sensação gostosa de ter tido prazer em conversar tanto com nossos amigos ou parentes, cujo único limite era a gente ter se cansado. Aqui em Sydney as pessoas têm mais tempo do que em Canberra.

Meu marido foi convidado para participar de vários destes clubinhos que eles inventam. Eu também fui. Vamos analisar quais foram alguns deles. O do meu marido foi um clube de remadores seniors. Tudo bem, muito legal, muito saudável, mas veja só, você vai pra lá com hora marcada no fim de semana, geralmente cedinho (lá se vai nossas horas de sono matinal extra), mal fala com um ou com outro um “oi” ou “como vai”, e parte pra remar. 
Rema, rema, rema. Depois volta pro cais, recolhe tudo, guarda, limpa, e vai embora, atividade cumprida, suor merecido, saúde garantida. Mas não se fica nem mais um minuto conversando sobre a vida de cada um. É como se todos fossem tão felizes que não tivessem nada para conversar. É como se nada na vida de alguém interessasse a ninguém. Então, se você vive na merda, continuará na merda, e enquanto você está ali, tudo é sorrisos e saúde.

Me chamaram para participar de passeatas com o cachorro. Sim, vai todo mundo para o centro de Canberra, que praticamente não tem centro, reúne-se num parque com hora marcada, na beira do lago, e também com hora marcada, parte-se caminhando para cruzar a ponte em fila indiana, ordeira, para chegar do outro lado. Pergunte se do outro lado tem carrocinhas de cachorro quente, sorvete, barraquinhas com cadeirinhas pra tomar daiquiri ou caipirinha, comer uma tapioca, ou tomar água de côco: absolutamente nada. Não é permitido pela prefeitura. Ou seja, você sai do nada para o nada, com a diferença de que você está rodeado de gente.

Do mesmo jeito são as passeatas com os bebês nos carrinhos. Ou alguma corrida para angariar dinheiro para doar para o câncer. Ou um passeio de bicicleta, todo mundo junto, todo mundo colorido com aquelas roupas ridículas, capacete, que quando pára no sinal você tem tempo de dizer “oi” para alguém do lado, e que você não pode conversar nem enquanto pedala, nem enquanto corre ou caminha, correndo o risco de encher-se de ar e ter “dor-de-viado”.

Portanto, é comum você ver as pessoas juntas passeando. Passeando não, caminhando bem ligeiro ao redor do lago, correndo com o cachorro, ou pedalando com outra, todas caladas, mal trocando monossílabos.

Depois perguntam porque tanto suicídio. Mas é só o que dá pra pensar, sozinho, no seu quarto, sem falar com ninguém, embutido, e tendo que fingir que está tudo bem, porque se você começa a falar sobre suas preocupações, neguinho profere a frase fatal que cala sua boca para todo o sempre: mas que assunto depressivo! Eles não querem conversar nada depressivo, que os deprima. Então você se entope de vez, e quando aparece morto, aí vem outro motivo para outro post.

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