Ah, então você pensava que todo Inglês é igual, né? Ou então que só existe Inglês nos Estados Unidos, com sotaque americano, enrolando os “erres” que nem paulista do interior, né? Pois meu filho, você acaba de descobrir o mundo!
Quando você sai do Brasil, “pensa” que sabe Inglês. Quando chega lá, descobre que parece uma criança falando, e que pouca gente lhe leva a sério por isso. Você fica balbuciando as coisas, tendando fazer graça, e as pessoas dando sorrisinhos de lado, meio “embaraçadas”. Aliás, eles adoram esta palavra, “embaraçado”. Enquando a gente costuma ficar embaraçado com linhas, cordões ou cordas, eles se embaraçam por qualquer coisa. É um povo enrolado! E é a palavra que eles mais amam. Como se fossem os maiores santinhos, puros e ingênuos. Ah, sai da frente…
Pois bem, com mais um pouquinho de tempo você começa a desconfiar que tem algum parafuso solto dentro da sua cachola, porque umas pessoas você entende perfeitamente, mas outras não. Seria a nacionalidade delas, os sotaques chinês, indiano, latino, africano, francês?
Não, é que, se você conversa com 10 pessoas, cada uma fala diferende da outra, e a mesma palavra, muitas vezes, soa diferente em cada uma delas. Então, como é que você pode viver com uma coisa destas?
Meu marido conta que isso acontece principalmente se você conseguiu um cargo alto e então tem que dar conta do recado. É como se você pegasse você mesmo e se jogasse na gaiola das loucas, uma reunião de executivos e outros profissionais de vários níveis, 50 pessoas numa sala, e não precisa nem você dar uma apresentação, basta ser perguntado mesmo. Você se c… de medo. Responde outra coisa que não tem nada a ver, e acaba esgotando a paciência dos racistas conservadores. Isso é porque no perfil do seu cargo tem “excelente comunicação falada e escrita”.
Pois bem, fique sabendo que a gente não sabe é de nada, e o que sabe só dá pra se virar pra achar enderêço. Tratar de assuntos de alto nível fica para os “colarinhos broncos” deles mesmos. O trabalho de carga a gente pode fazer, e esse “a gente” inclui o resto do mundo. Okay, meu marido exagerou, mas este sentimento sempre fica, porque saber Inglês envolve muito mais do que o simples e trivial.
Eu diria que é mais ou menos assim, como a gente usa o Português, cheio de metáforas, e quando a gente clica no tradutor do browser Internet Explorer para traduzir meu blog para o Inglês, por exemplo, a tradução fica meio estranha, e muitos dos lances principais em termos de jogo de palavras se perde e torna-se intraduzível automaticamente. É preciso mais do que o “automático trivial” de um robô, é preciso “cultura” humana. Imagine que a cultura de cada lugar que fala Inglês é diferente, assim como a nossa cultura difere da cultura de Portugal, e muitas vezes a gente não entende os portugueses. Imagine que às vezes a gente, nordestina, não entende nem os sulistas e vice-e-versa. Por exemplo, quem sabe o que é “piá”? “Piá” é como chamam criança no sul do Brasil.
Convenhamos, eu e meu marido gostamos de exagerar um pouco para fazer graça, mas no fundo tudo o que falamos tem muito a ver. Tanto é que alguns comediantes fazem sucesso com seriados de TV esculhambando com os “deficientes” e enjeitados da sociedade, ou seja, a maioria, cujo crime de discriminação é perpretado pelos ignorantes metidos a besta que acham que são alguma coisa porque “falam Inglês”. Sim, eles também se acham superiores, não somos apenas nós que falamos Inglês vivendo no Brasil (eita, cuidado com as pedradas). E, por sinal, eu não falo Inglês, só “arranho”, grawr…!
Mas, o que eu quero dizer é que é uma decepção você achar que vai ser a mesma coisa fora do Brasil e não é, porque você simplesmente só raciocina como um bebê e não consegue acompanhar as piadas (sem graça) deles em toda parte que você chega. O que é lugar comum para eles, clichês, é uma grande novidade pra você, então você vive quebrando a cara até tomar jeito e se adaptar. Melhor nem tentar as piadinhas picantes que estamos acostumados no Brasil. Um amigo nosso subiu na mesa da festa de cueca e foi demitido. Ele achava que toda festa australiana era assim e não sacou o grau de hipocrisia no ar.
Aliás, o lance sobre as piadas deles nos faz dançar na maionese porque, tanto eles quanto nós, usamos situações e expressões adquiridas em seriados de TV, e como nós não estávamos aqui quando éramos crianças, não temos a menor noção de que eles estão falando de um programa de televisão. Quando perguntamos exatamente o que eles estão dizendo, eles dizem, “never mind, it’s silly” (não se preocupe, é bobagem).
Então o jeito é você dar o famoso risinho de lado de quem entendeu mas não quer comentar, e rogar para ninguém prosseguir perguntando coisas relacionadas ao que disse. Porque se perguntar, você vai ter que dar desculpas de que estava pensando em outra coisa, o que é mesmo? Ah, pensei que era outra coisa, e assim o tempo vai passando…
Pra piorar, aqui na “Ostréia” (que é como eles pronunciam Austrália) tem um dos piores sotaques do mundo, o sotaque “ostréiano”. Eita que é um tal de falar tudo igual, todas as palavras com “a” e você que se dane pra fazer a diferença. No dia em que o passarinho fez cocô na cabeça do meu marido num parque, logo quando chegamos aqui, coisa que italiano costuma considerar como um sinal de boa-sorte (será que foi mesmo?), a pessoa da empresa que estava nos sinceronizando resolveu proferir a mais clássica e inesquecível frase australiana que jamais esquecemos. Estávamos em volta de um lago, e numa de suas margens havia um local bucólico. Ela então virou pra ali e falou: “ái láique da cáive bái da láique”. Mas que raios de frase era aquela, meu senhor? Que “baduláiques” eram aqueles?
Olha, foi difícil a gente decifrar a tal frase, e só conseguimos entender quando ela nos dirigiu ao tal lugar que era uma caverna na beira do lago, ou seja, ela disse “I like the cave by the lake” (eu gosto da gruta na beira do lago) com sotaque de senhora típica australiana. E assim foi que fomos nos acostumando mais ao “sotáique ostréiano”.
Ah, mas que dá uma raiva você responder que não pode, e a pessoa não entender, e você ficar repetindo até que ela saca e diz, ah sim, “iú cânt”, quando estávamos a dizer o tempo inteiro a mesma coisa, “ái quent” (“I can’t”), só porque este sotaque é norte-americano e eles adoram esnobar os americanos com o sotaque “British” aberto deles, fazendo questão de não entender para nos obrigarem a nos dobrarmos ao sotaque deles, pensam que eu não sei? Parece mais um sotaque “bitch” e não “British” (de “cadela")! Vocês sabem, todos os outros “inglêses” se acham superiores aos espalhafatosos norte-americanos, não é? Se não sabem, fiquem sabendo. Acho que é inveja e intriga da oposição…
Meu marido havia sido entrevistado por dois profissionais no Brasil ao ser recrutado, todos dois australianos, um recrutador e o outro o futuro chefe. Pois bem, o recrutador ele entendeu tudinho, mas não entendeu uma só palavra do futuro chefe. Ora, como é que ele esperava ser aprovado numa entrevista daquele jeito? Mas foi. Talvez porque o próprio chefe admitiu que era do estado de Queensland, e que o sotaque de lá era conhecido como o pior da Austrália, então ele se desculpou e meu marido saiu aliviado. Ele já estava pensando que raios de Inglês tinha aprendido até ali.
Para piorar, quando ele chegou na Austrália com o sotaque famoso norte-americano, que é como aprendemos Inglês no Brasil, deu com os burros n’água, e teve então que ir tentando adaptá-lo para o sotaque da Inglaterra, que é predominante na Austrália, e um pouco melhor do que o sotaque nativo, mas na própria Inglaterra tem dezenas de sotaques diferentes. Lá na Inglaterra tem o sotaque do povo urbano das ruas, do povo do interior, das regiões (Norte, Sul, Wales), da Escócia, o Irlandês, o tradicional, o correto e puro de certos políticos como o ícone Toni Blair, e por aí vai. Meu marido ouviu eles e aprendeu a diferenciá-los pela TV SBS do governo, que passa filmes de todos os lugares do mundo. Ele é quem assiste, porque eu só assisto os jornais de todas as TVs e à Globo brasileira. Feliz do Brasil que só tem o sotaque gaúcho, carioca, do interior paulista, mineiro, nordestino, paraense, baiano. Oxente, piá, matutando bem, o trem não é bem assim, tchê…
Hoje a gente consegue identificar de onde é a pessoa pelo sotaque que tem, veja como avançamos em uma década! Todos os latinos soam parecido (italianos, espanhóis, portugueses, cubanos, peruanos, chilenos, argentinos, brasileiros, etc), por exemplo. Nosso sotaque é clássico. Os gregos se parecem conosco, e os do Oriente Médio também parecem todos do mesmo lugar, embora sejam todos diferentes. Todos os asiáticos parecem iguais, assim como todos os indianos e similares (paquistaneses, afeganistãos, do Sri Lanka, Bangladesh).
A gente acaba gostando da parada. Nossos filhos, por exemplo, frequentemente nos matam de rir com as adaptações que fazem do Inglês para o Português, numa situação inversa. Já citei aqui o que “estou falando sobre” . Também dizem “o que você quer isso para?” seria outra variação e mais outras tantas deturpações do Português, é realmente uma comédia. Somos orgulhosos deles por terem decidido, por conta própria, que em casa de brasileiro, só falam Português, e mesmo fora, se a pessoa fala Português, eles não conseguem falar Inglês porque acham “rude” (“rude” significa o mesmo nas duas línguas), na opinião deles.
Então, depois de alguns anos você já pode identificar o que muita gente diz, tipo os velhos que falam comendo as palavras de boca cheia, as adolescentes que falam sem vírgulas repetindo refrões do tipo “iu nôu uórai min?” (“do you know what I mean?” que quer dizer, cê tá me intendiendo, filha?) ou os asiáticos que falam “ri du” (tentando dizer “he does”, “ele faz”) ou “mi láike” (“mim gosta” feito índio, ou “I like”) e o famoso “ái” (“aye” irlandês/escocês que siginifica várias coisas como “o que?”, “sim”, “okay”, etc – quem é bom no “aye” é o John Deep nos Piratas do Caribe, diz meu marido). Decifrar esta parafernália de coisas, sotaques e pessoas acaba virando uma diversão e nos faz amar o planeta.
E agora vamos escrever e ler. Então você esperava que qualquer coisa que eles escrevem (todo email de trabalho que você recebe, todo documento, toda carta, diz meu marido) fosse tudo escrito com um Inglês impecável de academia de letras, né? Pasme! A verdade não é bem assim, e você pensa que quem está escrevendo errado é de outra raça, outro país? Também não, os piores são os mais nativos mesmo, ao pé da letra. Eles fazem erros do tipo que nos pegaria, como ao invés de “their” (“deles”) eles escrevem “there” (“lá”) só porque tem o mesmo som, e você que se exploda pra entender o que eles querem dizer. E “rá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá” sai tudo numa bateria de palavras enganchadas sem pontuação ou iniciais maiúsculas, pra você treinar onde colocar as vírgulas, pontos, dois pontos e interrogações. E isso é pra você entender e resolver coisa séria. E depois somos nós que não sabemos Inglês!
Eu e meu marido costumamos dizer que aprendemos muito mais no Brasil do que vivendo aqui, que sabemos palavras que eles nem sonham que existem, e quando eles nos desafiam, a gente mostra no dicionário. Diz meu marido que, principalmente quando a palavra é semelhante em Inglês e Português, mas para eles é uma palavra difícil, pouco usada, que eles nunca ouviram falar, é que eles desafiam você, e quebram a cara. Meu marido está compilando estas palavras e expressões que dificilmente se aprende na escola.
Ah, mas a gente tem que aprender a ter cuidado também com algumas palavras que a gente fala em Português no meio da rua que eles podem entender, como “ridículo”, “imbecil”. A gente arrisca levar um tabefe na cara. No fim, a gente acaba fazendo uso da nossa língua pra falar o que queremos em alto e bom som porque sabemos que ninguém entende mesmo, e depois que a gente se convence que eles não merecem assim o nosso respeito de não falarmos uma língua que eles não entendem só porque eles acham que estamos falando mal deles, e estamos mesmos, eles têm lá os instintos deles, porém ainda assim devemos ter cuidado. De vez em quando tem alguém nos olhando de cara feia porque entendeu o que estávamos dizendo em outra língua, algumas palavras, ou até mesmo através do nosso “body language” (“linguagem corporal”). Eles adoram mostrar-se especialistas nestas meticulosidades.
No início meu marido achava que era falta de educação falar em Português com outro brasileiro em meio dos “nativos”, mas com o tempo ele viu que muita gente não está nem aí, e fala chinês na frente de todo mundo, por exemplo, e eles próprios, os australianos, falam em dialetos monossilábicos irreconhecíveis de propósito, para nos deixar de fora, fazendo pouco da gente, como quem não está nem aí, e você só fica suspeitando de que tem algo errado, mas não pode provar. Então meu marido agora fala como quer, e a única deferência é virar pra pessoa e dizer “desculpe o Português, é que fica mais fácil assim para nós, isso se ela merecer. E se merecer mais, ele ainda pode dizer sobre o que estavam falando. O resto fica com inveja mesmo, pois descobrimos que quem não fala duas línguas, tem inveja de quem fala, principalmente quando é entre adolescentes ou crianças.
Quanto aos “nativos”, eles odeiam serem chamados assim, deve ser porque se sentem como animais! É muita onda! Como se não bastasse, existe uma pá de palavras e expressões que a gente também “não pode usar” porque “ofende” os santinhos, como chamar uma senhora respeitosamente de “lady” ou “mem” (“madam”, madame) – para elas, estas palavras ofendem, sabe-se lá porque cargas d’água, mas parece que é porque “envelhece” elas, durma com um barulho destes.
Outra coisa é cuidado com os dizeres que trazemos em nossas camisetas compradas no Brasil, em geral em Inglês. O povo ficava olhando pro meu marido porque numa de suas camisas estava escrito que ele era um rato (“Rat Man”, Homem Rato) e o povo lê mesmo tudo o que andamos escritos por aí, enquanto que no Brasil a gente ignora por não saber mesmo o que está escrito. Ah, massa é encontrar camisas aqui estampadas em Português como algo “exótico”. Claro que compramos…
E então, você ainda acha que sabe Inglês? Só se você cresceu num país de língua inglesa. Essa turminha jovem aprende logo que é uma beleza. Mas faça como nós, mantenha o Português dos seus filhos, porque todo mundo acha chique ser bilíngue, e muitos brasileiros simplesmente perdem esta chance por não valorizar a língua maternal e acabam pagando mico!
E para finalizar este post, vou contribuir para sua cultura com uma preciosa pérola que “você não pode morrer sem”, como diria meu filho. Os importantes australianos legaram uma palavra em Inglês para o resto mundo que talvez seja a mais importante de todas, se medirmos pela frequência de uso da mesma em todas as situações e ocasiões. A palavra é, tcham-tcham-tcham-tcham! “F...”. Pois é, todo mundo sabe, então não preciso escrever!
Será que foi o famoso sarcasmo britânico, herdado pelo australiano um tanto escrachadamente, que fê-lo criar uma marca de uma cadeia de lojas de moda, FCUK, a qual, de relance, lê-se outra coisa e ainda por cima quer dizer French Connection UK?
Quando você sai do Brasil, “pensa” que sabe Inglês. Quando chega lá, descobre que parece uma criança falando, e que pouca gente lhe leva a sério por isso. Você fica balbuciando as coisas, tendando fazer graça, e as pessoas dando sorrisinhos de lado, meio “embaraçadas”. Aliás, eles adoram esta palavra, “embaraçado”. Enquando a gente costuma ficar embaraçado com linhas, cordões ou cordas, eles se embaraçam por qualquer coisa. É um povo enrolado! E é a palavra que eles mais amam. Como se fossem os maiores santinhos, puros e ingênuos. Ah, sai da frente…
Pois bem, com mais um pouquinho de tempo você começa a desconfiar que tem algum parafuso solto dentro da sua cachola, porque umas pessoas você entende perfeitamente, mas outras não. Seria a nacionalidade delas, os sotaques chinês, indiano, latino, africano, francês?
Não, é que, se você conversa com 10 pessoas, cada uma fala diferende da outra, e a mesma palavra, muitas vezes, soa diferente em cada uma delas. Então, como é que você pode viver com uma coisa destas?
Meu marido conta que isso acontece principalmente se você conseguiu um cargo alto e então tem que dar conta do recado. É como se você pegasse você mesmo e se jogasse na gaiola das loucas, uma reunião de executivos e outros profissionais de vários níveis, 50 pessoas numa sala, e não precisa nem você dar uma apresentação, basta ser perguntado mesmo. Você se c… de medo. Responde outra coisa que não tem nada a ver, e acaba esgotando a paciência dos racistas conservadores. Isso é porque no perfil do seu cargo tem “excelente comunicação falada e escrita”.
Pois bem, fique sabendo que a gente não sabe é de nada, e o que sabe só dá pra se virar pra achar enderêço. Tratar de assuntos de alto nível fica para os “colarinhos broncos” deles mesmos. O trabalho de carga a gente pode fazer, e esse “a gente” inclui o resto do mundo. Okay, meu marido exagerou, mas este sentimento sempre fica, porque saber Inglês envolve muito mais do que o simples e trivial.
Eu diria que é mais ou menos assim, como a gente usa o Português, cheio de metáforas, e quando a gente clica no tradutor do browser Internet Explorer para traduzir meu blog para o Inglês, por exemplo, a tradução fica meio estranha, e muitos dos lances principais em termos de jogo de palavras se perde e torna-se intraduzível automaticamente. É preciso mais do que o “automático trivial” de um robô, é preciso “cultura” humana. Imagine que a cultura de cada lugar que fala Inglês é diferente, assim como a nossa cultura difere da cultura de Portugal, e muitas vezes a gente não entende os portugueses. Imagine que às vezes a gente, nordestina, não entende nem os sulistas e vice-e-versa. Por exemplo, quem sabe o que é “piá”? “Piá” é como chamam criança no sul do Brasil.
Super-mercado Piá, Nova Petrópolis, Rio Grande do Sul |
Mas, o que eu quero dizer é que é uma decepção você achar que vai ser a mesma coisa fora do Brasil e não é, porque você simplesmente só raciocina como um bebê e não consegue acompanhar as piadas (sem graça) deles em toda parte que você chega. O que é lugar comum para eles, clichês, é uma grande novidade pra você, então você vive quebrando a cara até tomar jeito e se adaptar. Melhor nem tentar as piadinhas picantes que estamos acostumados no Brasil. Um amigo nosso subiu na mesa da festa de cueca e foi demitido. Ele achava que toda festa australiana era assim e não sacou o grau de hipocrisia no ar.
Aliás, o lance sobre as piadas deles nos faz dançar na maionese porque, tanto eles quanto nós, usamos situações e expressões adquiridas em seriados de TV, e como nós não estávamos aqui quando éramos crianças, não temos a menor noção de que eles estão falando de um programa de televisão. Quando perguntamos exatamente o que eles estão dizendo, eles dizem, “never mind, it’s silly” (não se preocupe, é bobagem).
Então o jeito é você dar o famoso risinho de lado de quem entendeu mas não quer comentar, e rogar para ninguém prosseguir perguntando coisas relacionadas ao que disse. Porque se perguntar, você vai ter que dar desculpas de que estava pensando em outra coisa, o que é mesmo? Ah, pensei que era outra coisa, e assim o tempo vai passando…
Pra piorar, aqui na “Ostréia” (que é como eles pronunciam Austrália) tem um dos piores sotaques do mundo, o sotaque “ostréiano”. Eita que é um tal de falar tudo igual, todas as palavras com “a” e você que se dane pra fazer a diferença. No dia em que o passarinho fez cocô na cabeça do meu marido num parque, logo quando chegamos aqui, coisa que italiano costuma considerar como um sinal de boa-sorte (será que foi mesmo?), a pessoa da empresa que estava nos sinceronizando resolveu proferir a mais clássica e inesquecível frase australiana que jamais esquecemos. Estávamos em volta de um lago, e numa de suas margens havia um local bucólico. Ela então virou pra ali e falou: “ái láique da cáive bái da láique”. Mas que raios de frase era aquela, meu senhor? Que “baduláiques” eram aqueles?
Olha, foi difícil a gente decifrar a tal frase, e só conseguimos entender quando ela nos dirigiu ao tal lugar que era uma caverna na beira do lago, ou seja, ela disse “I like the cave by the lake” (eu gosto da gruta na beira do lago) com sotaque de senhora típica australiana. E assim foi que fomos nos acostumando mais ao “sotáique ostréiano”.
Ah, mas que dá uma raiva você responder que não pode, e a pessoa não entender, e você ficar repetindo até que ela saca e diz, ah sim, “iú cânt”, quando estávamos a dizer o tempo inteiro a mesma coisa, “ái quent” (“I can’t”), só porque este sotaque é norte-americano e eles adoram esnobar os americanos com o sotaque “British” aberto deles, fazendo questão de não entender para nos obrigarem a nos dobrarmos ao sotaque deles, pensam que eu não sei? Parece mais um sotaque “bitch” e não “British” (de “cadela")! Vocês sabem, todos os outros “inglêses” se acham superiores aos espalhafatosos norte-americanos, não é? Se não sabem, fiquem sabendo. Acho que é inveja e intriga da oposição…
Bichinho arrogante |
Para piorar, quando ele chegou na Austrália com o sotaque famoso norte-americano, que é como aprendemos Inglês no Brasil, deu com os burros n’água, e teve então que ir tentando adaptá-lo para o sotaque da Inglaterra, que é predominante na Austrália, e um pouco melhor do que o sotaque nativo, mas na própria Inglaterra tem dezenas de sotaques diferentes. Lá na Inglaterra tem o sotaque do povo urbano das ruas, do povo do interior, das regiões (Norte, Sul, Wales), da Escócia, o Irlandês, o tradicional, o correto e puro de certos políticos como o ícone Toni Blair, e por aí vai. Meu marido ouviu eles e aprendeu a diferenciá-los pela TV SBS do governo, que passa filmes de todos os lugares do mundo. Ele é quem assiste, porque eu só assisto os jornais de todas as TVs e à Globo brasileira. Feliz do Brasil que só tem o sotaque gaúcho, carioca, do interior paulista, mineiro, nordestino, paraense, baiano. Oxente, piá, matutando bem, o trem não é bem assim, tchê…
Hoje a gente consegue identificar de onde é a pessoa pelo sotaque que tem, veja como avançamos em uma década! Todos os latinos soam parecido (italianos, espanhóis, portugueses, cubanos, peruanos, chilenos, argentinos, brasileiros, etc), por exemplo. Nosso sotaque é clássico. Os gregos se parecem conosco, e os do Oriente Médio também parecem todos do mesmo lugar, embora sejam todos diferentes. Todos os asiáticos parecem iguais, assim como todos os indianos e similares (paquistaneses, afeganistãos, do Sri Lanka, Bangladesh).
A gente acaba gostando da parada. Nossos filhos, por exemplo, frequentemente nos matam de rir com as adaptações que fazem do Inglês para o Português, numa situação inversa. Já citei aqui o que “estou falando sobre” . Também dizem “o que você quer isso para?” seria outra variação e mais outras tantas deturpações do Português, é realmente uma comédia. Somos orgulhosos deles por terem decidido, por conta própria, que em casa de brasileiro, só falam Português, e mesmo fora, se a pessoa fala Português, eles não conseguem falar Inglês porque acham “rude” (“rude” significa o mesmo nas duas línguas), na opinião deles.
Então, depois de alguns anos você já pode identificar o que muita gente diz, tipo os velhos que falam comendo as palavras de boca cheia, as adolescentes que falam sem vírgulas repetindo refrões do tipo “iu nôu uórai min?” (“do you know what I mean?” que quer dizer, cê tá me intendiendo, filha?) ou os asiáticos que falam “ri du” (tentando dizer “he does”, “ele faz”) ou “mi láike” (“mim gosta” feito índio, ou “I like”) e o famoso “ái” (“aye” irlandês/escocês que siginifica várias coisas como “o que?”, “sim”, “okay”, etc – quem é bom no “aye” é o John Deep nos Piratas do Caribe, diz meu marido). Decifrar esta parafernália de coisas, sotaques e pessoas acaba virando uma diversão e nos faz amar o planeta.
E agora vamos escrever e ler. Então você esperava que qualquer coisa que eles escrevem (todo email de trabalho que você recebe, todo documento, toda carta, diz meu marido) fosse tudo escrito com um Inglês impecável de academia de letras, né? Pasme! A verdade não é bem assim, e você pensa que quem está escrevendo errado é de outra raça, outro país? Também não, os piores são os mais nativos mesmo, ao pé da letra. Eles fazem erros do tipo que nos pegaria, como ao invés de “their” (“deles”) eles escrevem “there” (“lá”) só porque tem o mesmo som, e você que se exploda pra entender o que eles querem dizer. E “rá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá” sai tudo numa bateria de palavras enganchadas sem pontuação ou iniciais maiúsculas, pra você treinar onde colocar as vírgulas, pontos, dois pontos e interrogações. E isso é pra você entender e resolver coisa séria. E depois somos nós que não sabemos Inglês!
Eu e meu marido costumamos dizer que aprendemos muito mais no Brasil do que vivendo aqui, que sabemos palavras que eles nem sonham que existem, e quando eles nos desafiam, a gente mostra no dicionário. Diz meu marido que, principalmente quando a palavra é semelhante em Inglês e Português, mas para eles é uma palavra difícil, pouco usada, que eles nunca ouviram falar, é que eles desafiam você, e quebram a cara. Meu marido está compilando estas palavras e expressões que dificilmente se aprende na escola.
Ah, mas a gente tem que aprender a ter cuidado também com algumas palavras que a gente fala em Português no meio da rua que eles podem entender, como “ridículo”, “imbecil”. A gente arrisca levar um tabefe na cara. No fim, a gente acaba fazendo uso da nossa língua pra falar o que queremos em alto e bom som porque sabemos que ninguém entende mesmo, e depois que a gente se convence que eles não merecem assim o nosso respeito de não falarmos uma língua que eles não entendem só porque eles acham que estamos falando mal deles, e estamos mesmos, eles têm lá os instintos deles, porém ainda assim devemos ter cuidado. De vez em quando tem alguém nos olhando de cara feia porque entendeu o que estávamos dizendo em outra língua, algumas palavras, ou até mesmo através do nosso “body language” (“linguagem corporal”). Eles adoram mostrar-se especialistas nestas meticulosidades.
No início meu marido achava que era falta de educação falar em Português com outro brasileiro em meio dos “nativos”, mas com o tempo ele viu que muita gente não está nem aí, e fala chinês na frente de todo mundo, por exemplo, e eles próprios, os australianos, falam em dialetos monossilábicos irreconhecíveis de propósito, para nos deixar de fora, fazendo pouco da gente, como quem não está nem aí, e você só fica suspeitando de que tem algo errado, mas não pode provar. Então meu marido agora fala como quer, e a única deferência é virar pra pessoa e dizer “desculpe o Português, é que fica mais fácil assim para nós, isso se ela merecer. E se merecer mais, ele ainda pode dizer sobre o que estavam falando. O resto fica com inveja mesmo, pois descobrimos que quem não fala duas línguas, tem inveja de quem fala, principalmente quando é entre adolescentes ou crianças.
Quanto aos “nativos”, eles odeiam serem chamados assim, deve ser porque se sentem como animais! É muita onda! Como se não bastasse, existe uma pá de palavras e expressões que a gente também “não pode usar” porque “ofende” os santinhos, como chamar uma senhora respeitosamente de “lady” ou “mem” (“madam”, madame) – para elas, estas palavras ofendem, sabe-se lá porque cargas d’água, mas parece que é porque “envelhece” elas, durma com um barulho destes.
Outra coisa é cuidado com os dizeres que trazemos em nossas camisetas compradas no Brasil, em geral em Inglês. O povo ficava olhando pro meu marido porque numa de suas camisas estava escrito que ele era um rato (“Rat Man”, Homem Rato) e o povo lê mesmo tudo o que andamos escritos por aí, enquanto que no Brasil a gente ignora por não saber mesmo o que está escrito. Ah, massa é encontrar camisas aqui estampadas em Português como algo “exótico”. Claro que compramos…
E então, você ainda acha que sabe Inglês? Só se você cresceu num país de língua inglesa. Essa turminha jovem aprende logo que é uma beleza. Mas faça como nós, mantenha o Português dos seus filhos, porque todo mundo acha chique ser bilíngue, e muitos brasileiros simplesmente perdem esta chance por não valorizar a língua maternal e acabam pagando mico!
E para finalizar este post, vou contribuir para sua cultura com uma preciosa pérola que “você não pode morrer sem”, como diria meu filho. Os importantes australianos legaram uma palavra em Inglês para o resto mundo que talvez seja a mais importante de todas, se medirmos pela frequência de uso da mesma em todas as situações e ocasiões. A palavra é, tcham-tcham-tcham-tcham! “F...”. Pois é, todo mundo sabe, então não preciso escrever!
Será que foi o famoso sarcasmo britânico, herdado pelo australiano um tanto escrachadamente, que fê-lo criar uma marca de uma cadeia de lojas de moda, FCUK, a qual, de relance, lê-se outra coisa e ainda por cima quer dizer French Connection UK?
adorando! :))
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