domingo, 17 de maio de 2015

Mão de Obra Escrava na Austrália

E aí, minha gente, vocês ainda continuam pensando que a Austrália é o paraíso do primeiro mundo?

Me senti como voltando no tempo... o jeito como éramos tratadas foi
desumano. Molly, mochileira.
Bem, para os ricos e classe média alta brasileiros vivendo na Austrália, pode ser, principalmente se eles insistem em ignorar o que lhes acontece à volta, justamente como a maioria estava acostumada a ignorar a pobreza que os rodeava no Brasil. Mas isso significa que estas pessoas não são humanas, elas simplesmente não existem como pessoas, elas são ratos.

Costumo ser mais realista e estar mais ciente das coisas que me rodeiam, por isso procuro estar sempre bem informada. E a cada dia que se passa, mais estarrecida fico com o que vai se revelando nos bastidores deste país que, sinceramente, era de se esperar muito melhor. Confesso que, se você não quer ver, você não enxerga mesmo e vive como se nada daquilo existisse.

Os consumidores compram, acreditanto que aqueles produtos são
produzidos na Austrália decentemente. George Robertson, União
Nacional dos Trabalhadores, Estado de Victoria.
Uma das coisas que mais me chocaram ultimamente, depois da violência doméstica, foi a descoberta e revelação de que existe trabalho escravo na Austrália, e o que é pior, envolvendo o mercado de frutas e vegetais que nós compramos nas cadeias de super-mercado, anunciados na TV como fresquinhos em propagandas adoráveis com direito a passarinhos animados cantando, pelos quais pagamos para os atravessadores que exploram trabalhadores imigrantes que não sabem de nada desse país e acabam caindo numa máfia de exploração e degradação social.

Já tínhamos visto documentários na TV sobre o trabalho escravo na China e no Paquistão, mas esperar isso acontecendo na Austrália, embaixo dos nossos narizes, é algo completamente inconcebível e avassalador.

Aqui vai traduzido um sumário deste episódio do programa de TV Four Corners que foi ao ar esta semana, e cujo teor povoou todos os jornais nacionais durante a semana inteira.

Kerry O'Brien, programa Quatro Cantos (Four Corners), TV ABC,
Austrália
Programa Denúncia

Escravização: Os segredos podres por trás do mercado de produtos frescos da Austrália.

Eles estão em sua geladeira e em sua mesa: alimentos frescos que obtemos facilmente e sem dar trabalho.

Mas há um segredo podre por trás deles.

Muito do que é colhido e embalado, é feito por um exército oculto de trabalhadores migrantes que são cruelmente explorados.

"Há trabalho escravo no país." - diz um produtor de Queensland.

Uma investigação do programa "Four Corners" (Quatro Cantos) revelou gangues de empreiteiros de aluguél de trabalhadores no mercado negro de aluguél de mão-de-obra sem escrúpulos que operam em fazendas e fábricas em todo o país.

Divine Ripe, tida como a "jóia da coroa" australiana por sua
excelência em cultura de tomates em estufas, referida como
empregadora padrão, utiliza de 100 a 400 empregados extras
através de empresas de mão-de-obra contratadas
Os produtos que eles fornecem acabam em nossos principais supermercados e cadeias de fast-food.

"Quase todos os produtos frescos que você pega... terá passado pelas mãos de trabalhadores que foram fundamentalmente explorados." - diz um oficial da União dos Trabalhadores.

Esses empreiteiros vão atrás de jovens altamente vulneráveis para contratarem como trabalhadores estrangeiros, muitos deles com Inglês muito limitado, que vieram para a Austrália com sonhos de trabalhar em um país justo.

Eles são sujeitos a brutais horas de trabalho, condições de vida degradadas e pagamento de salários baixíssimos.

O repórter Caro Meldrum-Hanna obteve filmagens com câmeras escondidas sobre este mundo das trevas. Uma trabalhadora migrante lhe disse: "Eu me senti como se tivéssemos voltado no tempo... o jeito que estávamos sendo tratadas era desumano."

Não é a Austrália que você colocaria nos folhetos de turismo, não é
a Austrália que você falaria sobre ela, diz Dra Joanna Howe,
Professora Senior da Escola de Advocacia da Universidade de
 Adelaide.
Outra disse: "Me fez questionar a Austrália como país".

As trabalhadoras estão particularmente em risco, com mulheres denunciando e fazendo alegações de assédio e agressão.

Dos campos dos agricultores para instalações de fábricas, o programa conta a história daqueles trabalhadores escravizados que produzem os alimentos que compramos e consumimos diariamente.

Veja o vídeo inteiro aqui, em Inglês:


Existe trabalho escravo neste país, diz um fazendeiro de Queensland.
Esquema

Basicamente o esquema funciona da seguinte forma. Imigrantes sem escolaridade nem especialização chegam a ser recrutados no exterior, pagando mais de $1000 dólares para arrumarem emprego na Austrália. Dalí eles são embarcados e recebidos na Austrália por um empreiteiro contratado que os coloca numa Kombi e os leva diretamente para seus destinos, sem direito a tour turístico pelas cidades, destinos os quais variam conforme as necessidades dos contratantes.

Estes empreiteiros passaram a ser contratados pelas empresas e fazendas nos últimos anos a fim deles se livrarem de terem que lidar com imigrantes legalmente, passando a responsabilidade para tais empreiteiros e estes que se virem. Tais empreiteiros passaram a reter boa parte do pagamento que antes era destinado aos trabalhadores, reduzindo-lhes os salários para menos da metade do que seria o valor de uma hora de trabalho. 

Kombis que entregam os trabalhadores (vocês sabem que não são
"Kombis" propriamente, não é preciso explicar aqui).
Antigamente, batidas policiais podiam encontrar imigrantes ilegais contratados pelas empresas, gerando-lhe pesadas multas, então elas resolveram o problema transferindo a responsabilidade para tais empreiteiros, muitos deles imigrantes eles próprios.

Os trabalhadores então são despachados para instalações sub-humanas e até estrebarias onde levas de jovens rapazes fortes dormem no meio dos cavalos. Outros se amontoam em casas onde comem no chão, e dormem pouco, alguns chegando a trabalhar 18 horas por dia. Como se isso não bastasse, eles recebem maus tratos, gritos e palavras desclassificadas como forma de apressá-los sempre mais e mais para aumentarem a produção, sem direito nem a irem ao toalete. Alguns dos entrevistados chegaram a dizer que, quando sentiam necessidade de urinar, não podiam ir ao toalete, então urinavam ali mesmo, nas calças, no local de trabalho. Como fica a higiene de tais lugares diante disso?

Seus produtos fresquinhos pelo suor dos imigrantes explorados.
O trabalho varia entre colher frutas, verduras ou legumes, incluindo uvas dos vinhedos dos fabricantes de vinhos chiques dos arredores de Melbourne, até seleção e embalagem de frangos em avícolas. Isso inclui uma das empresas padrões da Austrália, a qual já recebeu vários prêmios milionários do governo, um exemplo de alta tecnologia hidropônica nos arredores de Adelaide.

Os trabalhadores são recolhidos por Kombis antes do sol nascer, e deixados em casa pelas tais Kombis depois do entardecer e muitas vezes tarde da noite. Tais transportes também são ilegais. 

Pausa na tradução para dizer que meu marido me contou que meses atrás ele viu tais Kombis na estrada lotadas de homens mal encarados e de outras raças. Ele ficou pensando o que seria aquilo, abismado com o que estava vendo na Austrália. Não parecia ser real, e ele ficou pensando que talvez fosse uma família grande cheia de homens diferentes, viajando de uma cidadezinha para outra. Com certeza era o tal transporte de ilegais.

Suas comprinhas...
Um amigo nosso se submeteu a colher frutas e verduras numa fazenda do interior, tendo sido submetido a dormir no meio dos carneiros, sendo assediado sexualmente pelas crianças filhas dos donos da fazenda (pasmem!), sem receber nada a não ser comida e dormida, só com o fim de obter no final um número de horas trabalhadas e assinadas a fim de dar subsídio à obtenção de um visto de trabalho. Tal amigo europeu é formado, tem nível universitário e aparência de artista de cinema. Sua submissão a tal tipo de exploração se deveu a não encontrar emprego em seu país original e outras liberdades que ele objetivava conseguir para assumir sua vida longe da família.

A reportagem continua falando dos assédios sexuais às garotas imigrantes, as quais são submetidas a indiretas sobre como elas poderiam melhorar suas vidas se morassem com um dos assediadores, ou submetidas a apalpadelas e até imprensamentos dos quais não conseguiam fugir, o que elas contavam chorando. Uma delas foi denunciar à direção da empresa que decidiu dizer que alí ela não tinha mais emprego, enquanto o assediador permaneceu lá até a reportagem denunciar e mostrar sua cara na TV, obtida através das câmeras escondidas, ele por sua vez, também imigrante cercado de favores e conchavos.

No meio de tais imigrantes, algumas garotas britânicas se meteram, mas por serem muito mais esclarecidas e dominarem a língua inglêsa, elas foram capazes de denunciarem e ameaçarem os esquemas. Algumas ficaram sem receber dinheiro por semanas depois de terem finalizado os contratos, e na cara delas os gerentes falavam para os empreiteiros que eles não ousassem trazer mais nenhuma européia, que eles só queriam asiáticas. As britânicas ficaram abismadas com o que jamais esperariam acontecer num país como a Austrália.

Propaganda da rede de super-mercados Woolworths, da Austrália, 
com Samanta Jade, mas os produtos não são tão baratos assim...

Viver assim não é viver. Seria muito diferente se todos recebessem salários razoáveis e tivessem possibilidades de passear pelo país, dessa forma suas experiências seriam positivas e muito benvindas, e a Austrália poderia realmente ser considerada um pequeno paraíso. 

Se além disso, tivessem tempo disponível para aprenderem a língua e depois estudarem para tornarem-se especialistas bem pagos, então a Austrália seria o Eldorado. Mas a realidade global acabou com estes sonhos de antigamente. As grandes corporações de hoje, para onde a maré de dinheiro escoa, se instalaram nos países pobres, explorando a mão-de-obra extremamente barata que implora por empregos, a fim de ganharem vantagem vendendo seus produtos nos países de primeiro mundo a preços cada vez mais baixos, arrasando com a concorrência que tem o mínimo de moral para não lhes imitarem, e com isso não tem mais emprego bem pago nos países adiantados, ou estes tem sido reduzidos drasticamente para o número de candidatos, o que por sua vez, tende a reduzir os salários devido à extrema procura contra a demanda reduzida, e no final, todos saem perdendo, exceto as grandes corporações e conglomerados mundiais.

Eles querem pegar grupos de imigrantes trabalhadores vulneráveis
para venderem o trabalho deles a um empregador, diz Dra Joanna
Howe, Professora Senior da Escola de Advocacia da Universidade
de Adelaide.
A maior parte dos asiáticos e asiáticas submetidos a tal constrangimento não sabia uma palavra de Inglês. Por este motivo dificilmente eles se atreveriam a denunciar qualquer coisa, até por não terem a menor noção de como o país funciona e quais canais haveriam disponíveis para obter-lhes justiça e punir os contraventores. Sobre punição, aparentemente todos os governos são coniventes, pois todo mundo sabe destes esquemas que rolam no sub-mundo australiano, como é que tais governos que se gabam de terem sistemas de informação de altíssima tecnologia, não sabem de nada? Não querem saber é melhor de se dizer.

O outro lado da medalha é o seguinte: muitas empresas genuinamente australianas tem sido fechadas ao longo dos últimos anos, ou vendidas ou levadas para outros países porque elas não podem competir com a invasão dos produtos chineses, sempre custando uma fração dos preços altos pagos por produtos australianos justamente porque as empresas tem que pagar o alto salário mínimo australiano aos seus funcionários, enquanto os chineses e naturais de outros países asiáticos pagam misérias e mantém seus escravos, incluindo crianças lá no país deles, como tem sido denunciado na televisão nos últimos anos. A modificação na lei trabalhista para priorizar o trabalho casual, ou seja, pago por hora trabalhada e temporário, reduzindo drasticamente os direitos dos trabalhadores, aliviou mas não resolveu o problema de tais empresas. Hoje a taxa de desemprego da Austrália permanece baixa artificialmente porque qualquer empreguinho de poucas horas semanais é considerado emprego pleno, estatisticamente, mesmo que ninguém possa se manter com tal tipo de coisa.

O melhor trabalho do mundo. Não é bem esse que você vai pegar...
Jeitinho Australiano

Como as empresas australianas não estão conseguindo sobreviver, algumas estão partindo para a ilegalidade, para o "jeitinho australiano", com a ajuda de gente inescrupulosa e irresponsável. Tais empreiteiras de trabalho escravo não tem contabilidade, não pagam impostos seriamente, praticamente não existem em termos de suas abrangências. Depois da reportagem, algumas das cadeias de super-mercados, fábricas e fazendas declararam publicamente que deixaram de trabalhar com tais empreiteiros. Mas, dá pra acreditar nisso? Que outro esquema inventarão para substituí-los? O artigo diz que, por conta disso, a população deve esperar um aumento nos preços dos artigos frescos de super-mercado. Ora, é apenas mais uma desculpa para a elevação de tais preços ou realmente espera-se que as pessoas defendam o esquema de escravização contanto que mantenham seus poderes de compra?

Este programa existe desde 1961 e fez 50 anos em 2011
quando Kerry O'Brien começou a apresentá-lo.
Por outro lado, por causa de leis estritamente radicais e robustas, a importação de alimentos na Austrália é quase impossível. Por exemplo, quando tem enxurradas no norte do país, as plantações de bananas sofrem e o abastecimento das cidades torna-se mais caro, elevando os preços das bananas ao cúmulo do absurdo. Bananas importadas dos paraísos tropicais que rodeiam a Austrália simplesmente não conseguem ultrapassar as barreiras de importação colocadas pelo governo, tendo como desculpa as doenças e pragas que, se entrarem na Austrália através de tais importações, arrasariam com a cultura agrária australiana que é extremamente sensível a pragas. Mas suspeitamos de que não seja apenas este cuidado excessivo que limita as importações.

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