sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Um Causo no Ônibus

Lá vai eu faceira viajando num ônibus sentadinha, quando de repente ouço uns gritos, um chororô de criança. Olho pra trás e vejo uma menina a chorar. Sua avó, ou uma mãe assim mais idosa, ou até mesmo simplesmente alguém que estava tomando conta dela, sentada bem longe, mal olha pra menina. Os gritos vão aumentando, o pavor da menina, e se descobre que ela estava com o braço preso entre os assentos, sem conseguir tirar. Nisso 3 homens resolvem ver o que está acontecendo. O motorista pára e fica lá, esperando, observando, sem fazer nada, inerte. Dois homens desistem e um mais forte resolve livrar a menina. A mulher não sai do canto, não diz obrigado, nem sequer pisca.

No ônibus
Esta á a vida australiana. Por isso quando acontecem desgraças, as pessoas dão declaração na TV sorrindo. Nunca estão chorando, com os olhos vermelhos, ou aparentando sofrimento. É como se tudo fosse corriqueiro e sem importância. A mãe pode ser fulminada por um raio que a filha vai dizer sorrindo que foi má sorte da mãe e depois vai subir no palco do velório pra falar sobre as coisas engraçadas que sua mãe fazia, a fim de divertir as pessoas.

No início nós pensávamos que o povo era mesmo resistente e superava as desgraças com um sorriso nos lábios, que eles tinham uma educação a ser assimilada por nós, que por sermos latinos tendemos a dramatizar, aumentar o sofrimento, chorar, dar escândalos (aqueles com menos educação). Eles diziam “são só coisas materiais que a gente repõe, o mais importante é que estamos vivos, escapamos”, como se fossem espiritualizados e acreditassem em algo além da morte. Mas não, não é nada disso.

Para nossa decepção, trata-se de desculpas fáceis na ponta da língua para isentá-los de qualquer responsabilidade ou sentimento. Quando eles dizem assim, camuflam que não estão sentindo absolutamente nada. Quantos deles (ou delas, principalmente) não tem uns óculos escuros bem à m
ão para pensarem que estão ou estiveram chorando? Quem vai se atrever a retirar os óculos deles pra ver se estão mesmo?

Dick Smith discursa no funeral da primeira aviadora australiana, falecida aos 93 anos (Foto de Sergio Dionisio/Getty Images AsiaPac)
A gente vê a diferença quando as vítimas de tragédias são de outras raças pois estes choram e sofrem de verdade. É estampado no rosto deles, mesmo que não estejam chorando no momento infalível das entrevistas para a TV, vê-se que estiveram a chorar ou a sofrer, não têm o tal sorriso hipócrita nos lábios, sorriso de apresentador de TV.

 
Durante funeral de refugiados, quanta diferença
Aquela mulher do ônibus simplesmente se comportou como se não conhecesse a menina, como se não adiantasse nem se levantar pra ver o que estava-se passando. Pessoas sem sentimento. 

Fico comparando as cenas como se fosse no meu Brasil. Se isso acontecesse, a suposta “mãe” iria fazer um escândalo, mandar parar o ônibus, chamar o motorista pra retirar a menina, e todas as pessoas do ônibus iriam se aglomerar tentando ajudar, e os três homens de uma vez iriam desmontar o assento pra livrar a menina. Então a mãe iria agradecer a todo mundo, pedir muitas desculpas, e ainda ficar falando um monte de coisas, tudo o que viesse em sua cabeça, além de repreender a menina por andar fazendo o que não devia, estar longe dela, e tudo o que tivesse direito.

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