quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Creches

A propaganda da Austrália no Natal é a coisa mais linda do mundo. Um coral de crianças vestidas de branco como anjinhos num imenso campo verde. Em matéria de espetáculos pra aparecer, os australianos são mestres desde pequenininhos. Já são treinados nas escolas para fazerem “dramas” (shows).

Ninguém jamais pode imaginar os problemas que existem aqui para se criar crianças decentemente.

Começa com as creches. As creches são um horror! Além disso, custam os olhos da cara. Muita gente não consegue pagar e também não tem com quem deixar as crianças. É um rolo só, um pesadelo. Depois ninguém sabe porque as populações não crescem…


Fora as creches, as outras opções para as famílias deixarem as crianças são os “family day care” (famílias cuidadoras), que são pessoas que decidem tomar conta de crianças em casa, e por último tem as “nannies” (babás) que vão na casa da família para cuidar da criança lá, funcionando  como uma espécie de “baby sitter”. Para estas opções também é preciso ter cursos do mesmo jeito que para trabalhar em creches.

Comecei a fazer um destes cursos e desisti, devido a tanta teoria que nem era aplicada na prática, e isto eu pude ver de perto, pois consegui estagiar em duas ocasiões e falarei mais a seguir.

A outra dificuldade é que estes cursos são muito difíceis para quem não tem um Inglês perfeito. Além disso, as “famílias cuidadoras” tem que ter suas casas devassadas, esquadrinhadas pelos funcionários do governo, e aprovadas para que possam receber as soberanas crianças. A outra exigência é carteira de motorista e carro próprio, e isto quer dizer, se você não dirige, não tem um carro, não tem um bom Inglês ou não tem uma casa aprovada, então você está descartado deste tipo de trabalho, não importa quão adequada você é para o trabalho.

Aqui na Austrália, só o fato de você ser mãe, não importa, se bem sucedida ou não, você tem que seguir as regras deles.

Mãe aqui não vale nada. Experiência com crianças não vale também. O que eles valorizam são os cursos que eles dão, os currículos que eles consideram certo, um barato, supimpa. Então, pra começo de assunto, quem consegue se graduar nestes cursos são as pós-adolescentes que não querem nada com a vida e não arrumaram nada melhor.  Mulheres jovens que  nunca tiveram experiência com crianças, que não se entrosam com elas, nem sequer gostam de crianças, e não têm o menor interesse na “carreira” profissional. Estão alí só passando chuva.

Bem, depois de ter ficado longe do meu trabalho por tantos anos para criar as crianças, decidi que gostei tanto da tarefa, e fui tão bem sucedida, que quiz mudar de profissão e trabalhar com crianças. Gosto delas e elas gostam de mim, sou muito querida por todas, exerço uma real atração mútua, sei interagir com elas, conseguir as coisas, e sei como mantê-las obedientes e se tornarem pessoas de bem e de futuro. Em suma, sou super-qualificada para a tarefa! E pós-graduada na prática.

Então, como falei, depois de algumas tentativas, consegui a oportunidade de estagiar numa das melhores creches de Canberra. Era uma creche exclusiva para filhos de funcionários de um determinado alto orgão do governo. É importante dizer isso porque o que eu assisti ali envolvia talvez a mais alta elite de funcionários públicos de Canberra, ou seja, devia ser uma coisa especialíssima.

Exemplo de creche na Austrália, em Northern Territory
Oportunidades para estagiar, normalmente tem que ser indicada por alguém, principalmente se você não tem o curso. Você tem que ter o famoso QI (quem indicou). Como eles não vão ter que te pagar, eles aceitam, mas com a condição de que, se eles se interessarem por você ou você pelo trabalho, eles te contratam, mas você tem que fazer o curso no tempo determinado por eles. Até aí você é apenas considerada uma “desqualificada”, em termos de não ter especialização no serviço (e não como uma piranha ralé, bem entendido).

Na minha entrevista, a primeira coisa que ouvi antes de começar a trabalhar foi: você não pode sair por aí dizendo o que acontece aqui.

Ah, meu amigo, que diabos de conselho é esse? Se eu não posso falar, é porque tem coisa errada. E como tinha!

Pelo menos não vou falar onde é, depois me processam aí, ó.

Tem problema pra todo lado. Começa que não tem gente suficiente. A maioria que trabalha normalmente nestas creches é de outra raça, as australianas são geralmente as jovens que fizeram o curso, as quais eu falei acima. As salas são divididas de acordo com a idade da criança e tem uma média de 20 crianças e 4 funcionários, sendo que 1 deles é o “team leader” (líder de time), aquele que só dá as ordens e discute os problemas com a coordenação. Existe muita competição e fofoca nestes lugares, grupinhos se formam e torna-se um inferno para trabalhar, principalmente quando a líder não vai com a tua cara. Como estagiária e sem curso, você tem que fazer tudo que ela manda e principalmente o que as outras não gostam de fazer, sobrando sempre o pior para você.

A desculpa é que você não tem a qualificação que eles exigem e está praticando, e o pior, de graça. 

Não interessa se você gosta de crianças, se se entrosa com elas facilmente, se elas em contrapartida te adoram e correm pra você quando você chega. Eles são cegos para isso e insensíveis. Até os pais não gostam de ver a criançada lhe rodeando. Eles tem ciúmes! Tudo o que interessa para eles são os cursos, as exigências, as normas, a burocracia, tudo menos a felicidade das crianças. Não devia ser exatamente o contrário, minha gente?

Nestas salas as crianças tem horário para tudo. Não se pode ficar à vontade com as crianças. É hora pra dormir, hora pra comer, para fazer xixi, para se lavar, hora de brincar, hora de guardar os brinquedos, isso todo santo dia, hora disso, hora daquilo. Ora essa.


Começa o dia com as crianças tendo o “breakfast” (café da manhã), porque nem isto os pais são capazes de dar antes de despejá-los na creche. Acabando, vão brincar, hora da bagunça. Na metade do dia eles têm que trocar as fraldas, então 2 funcionários vão fazer a troca enquanto 1 só, com uma pequena ajuda da líder, fica controlando o resto da sala, aproximadamente 18 crianças para apenas duas pessoas. Imagina o que não acontece, as crianças ficam endiabradas e não tem quem as controle. Na troca das fraldas, surgem alguns pequenos problemas, as crianças tem que subir uma escadinha para deitar em um balcão alto para serem trocadas, aí elas não querem e também não se pode colocar elas lá, por “questões de segurança”, e quando uma delas empaca, sai de baixo.

Quer dizer, a coisa mais fácil do mundo que é colocar uma criança numa mesa, se torna um Deus nos acuda. Que “segurança” que nada, é paranóia de pedofilia mesmo, até porque também tem homens trabalhando em creches.

Chegada a hora do almoço, mais duas pessoas tem que organizar as mesas, outra hora infernal, as crianças continuam desatendidas e é uma gritaria só. No almoço, sujeira para todo lado, comida cai no chão, eles pegam de volta e comem e os funcionários fingem que não vêem, eles se lambuzam todos e tem que permanecer com a roupa suja até o fim do dia, inclusive dormir com elas. Nas creches daqui não se dá banho nem troca roupas das crianças, mesmo elas ficando o dia inteiro lá.

Acabou o almoço, eles próprios se limpam com uma toalhinha molhada (imagina a limpeza), e vão para os colchonetes para dormir. Outro problema porque eles não querem dormir e ainda pertubam os que querem. Nesta hora, todas as funcionárias param e cada uma senta entre duas crianças e à medida que dormem, muda pra outras. Eu não tinha muito problema para colocar para dormir, colocava a mão nas que deixavam e ninava elas. Às outras “não me toquem” (“don’t touch me! Grrrr…”) eu só falava baixinho até adormecerem. Outras babás, incluindo a chefe, saculejavam a criança, brigavam e até montavam com o braço em cima delas para mantê-las imóveis. Um horror, uma cena. 


A maioria das crianças não permite o toque e elas gritam: “don’t touch me” (não me toque). Nesta famosa frase, muito irritante por sinal, está embutida todas as mazelas desta sociedade recordista em suicídio, principalmente de jovens e é justamente por isso, falta de carinho e apego humano. Por outro lado o abuso sexual em casa é também uma das coisas muito praticadas aqui na Austrália nestas famílias. Dá para entender esta gente psicopata?

Bom, quando elas então acordavam, tudo se repetia como pela manhã e isto todo santo dia, a mesma rotina.

A limpeza da sala era precária, praticamente se empurrava tudo para baixo dos tapetes, o banheiro deles, aonde também trocavam-se as fraldas, era pessimamente limpo, enfim, higiene não é o forte do australiano.

Quando as crianças ficam doentes, os pais trazem elas para a creche assim mesmo, e lá elas saem espalhando para as outras, incluindo para os que trabalham com elas. Eu mesma fiquei doente 4 vezes em 3 meses. Sim, 4 viroses, incluindo gastroenterite, esta foi braba mesmo, muitos funcionários e crianças tiveram ao mesmo tempo, isto também se deve às condições precárias de higiene como já falei antes. Algumas crianças tem problema alérgico na pele, crônico, devido ao clima seco, e elas sofrem muito, principalmente na hora da troca da fralda quando é preciso tirar as roupas e estas estão grudadas no corpo. Elas choram, dá até dó delas.

Ah, esqueci de falar que, na hora da troca da fralda, eles exigem que usemos luvas, mas a própria líder de sala não usa, e grita para as funcionárias quando não estão usando. Certas líderes de sala são muito difíceis, mas encontram apoio da diretoria, pois normalmente são indicadas por alguém influente. Elas competem muito entre si, várias só se falam profissionalmente. É uma cachorrada só.

Quando eu fiz dois meses de estágio, fui convidada pela diretora para ficar como funcionária, recebendo, mas estava muito difícil eu conseguir aguentar a líder da sala. A princípio falei com a diretora que me trocou de sala, mas a fofoca ali comia no centro, além de que fiquei doente pela quarta vez, aí desisti e pedi demissão. 

Agora vamos dourar um pouquinho a pílula. Veja mais sobre a propaganda da Qantas (companhia aérea australiana) divulgada entre 1998 e 2004 envolvendo músicos australianos e crianças do coro nacional de meninos (National Boys Choir) e das meninas australianas (Australian Girls Choir) chamada “eu ainda considero Austrália a minha casa” (“I Still Call Australia Home”) nos seguintes links (em Inglês):



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