Violência Doméstica na Austrália?
Mentira.
Que brasileiro morando na Austrália vai contar uma
blasfêmia destas?
Pois é, este é um assunto que venho pesquisando faz tempo para
escrever aqui, porque tenho visto cada vez mais nos noticiários toda semana mas só agora os australianos estão resolvendo assumir
como uma epidemia.
Dá para acreditar? Como é que num país como este, de primeiro
mundo (faço questão de repetir isto sempre) existem tantos casos de violência doméstica numa sociedade toda de classe média para cima e educada?
Violência doméstica |
Dêem só uma espiada nisto aqui: mais de 27.000
ataques domésticos foram reportados à polícia no ano passado no
estado de NSW, cuja capital é Sydney, numa média de 74 ataques por dia.
O maior número de ataques ocorre no interior, pelo
mapa estatístico publicado pelo jornal online Sydney Morning Herald (http://www.smh.com.au/comment/smh-editorial/time-to-act-on-domestic-violence-20140307-34cqt.html), lá no
"bush", na área noroeste do estado, quase deserto, onde mais de 1.500
ataques ocorrem para cada 100.000 habitantes. A quantidade vai caindo quando vamos nos
aproximando do litoral.
Do editorial do link acima, traduzi o seguinte trecho contundente:
"Nas sombras, atrás das cortinas, na escuridão da noite. Nas mentes perturbadas daqueles que dizem que a amam, nos hematomas que você disfarça e esconde. Das misteriosas profundezas do abandono, em desespero para escapar. Na solidão do vazio, paralisada de medo. Nos escuros dias frios você permanece, pelo bem das crianças. Quando estará segura?
A violência doméstica arruina vidas. Em cada caso confirmado, mais vítimas morrem envolvidas no silêncio e outro sem número se submete à tortura diária de não saberem quando irá acontecer de novo.
Com muita frequência nós, vizinhos, família, amigos e colegas australianos falhamos em não enxergar. Pior ainda, fazemos de conta que não enxergamos."
O Australian Bureau of Statistics (Bureau de Estatísticas da Austrália) descobriu que mais de 60 por cento dos casos de violência doméstica não são denunciados |
Uma mulher morre toda semana por causa de violência
doméstica na Austrália, diz a reportagem de março de 2014. No estado de New South Wales, uma
mulher é hospitalizada a cada 3 horas e no país 1,6 milhões de mulheres já
experimentaram violência doméstica pelo menos um dia em suas vidas. 24 mulheres foram
mortas no ano passado por incidentes relacionados a violência doméstica. De
todos os homicídios no estado de NSW, 42% são domésticos.
Ora, porque chamam de "violência doméstica"?
Não seria violência masculina? Os comentários ao artigo do jornal pelos leitores
descambou para uma guerra entre os sexos. Alguém mencionou o site
"Campanha 1 em 3" ("One in Three", http://www.oneinthree.com.au/) como fonte do outro
lado da medalha, o lado que diz que 1 em cada 3 casos de violência doméstica
acontece também com homens.
Homens são vítimas também |
O jornal Herald, por ocasião do dia da mulher em 2014,
lançou uma campanha de um ano a fim de iluminar o povo e os líderes visando uma
mudança relativa ao que se tornou uma tragédia nacional num país que se diz
civilizado, tolerante e seguro. Pois isso não é o que todo brasileiro enche a boca
para propagar?
Não fique calada, diga não à violência doméstica |
A modificação de atitude visada significará repensar
muitos dos mitos sobre o que uma minoria significativa de homens considera ser
australiano: ser macho, forte, e provedor da família. Não poder mostrar sinais
de fraqueza, não poder falar de emoções e não poder procurar ajuda.
Auto-medicar-se é uma doença mental, e colocar a culpa nos outros por suas
falhas é regra. Dois pesos e duas medidas é a atitude normal.
O grande estopim é a bebida... |
O que diabo estas mulheres fazem pra merecer isso?
Isso é o que meu marido pergunta. Eu digo que é a cultura masculina australiana
da bebedeira. O bêbado não tem noção do que faz, e a cultura da bebida
alcóolica na Austrália é dominante, tradicional e folclórica.
Pesquisa da Access Economics revela que cerca de 1,6
milhões de mulheres australianas experimentam violência doméstica em algum
ponto.
Estas são apenas as estatísticas oficiais. Metade dos
abusos não são denunciados.
96.000 mulheres australianas foram para o trabalho hoje afetadas por violência doméstica |
São as mães dos australianos, as filhas deles, as
irmãs, esposas, namoradas, pessoas que trabalham na mesa ao lado deles. São
pessoas reais em números absurdos, e não de ouvir falar, são pessoas do seu
convívio. Tá com alguma parte do corpo roxa? Desconfie e não acredite nas
desculpas esfarrapadas.
Por baixo do verniz social da respeitabilidade dos
dados demográficos, as mulheres estão sofrendo de abusos físicos, psicológicos,
manipulativos e controladores como vítimas de predatores. O abuso provém de um tipo
de pensamento que culpa a vítima e não respeita o parceiro do outro gênero, a
outra cultura, o outro estilo de vida ou simplesmente a fraqueza e dependência
do outro.
É inacreditável o que minha mulher pode fazer com uma frigideira |
Crianças estão sendo atacadas, traumatizadas e usadas
como armas. Mudar isso vai exigir confrontar a cultura de não se tocar no
assunto.
As mulheres, em particular, tem medo de denunciar para
não cairem no ostracismo e desolacão econômica. As testemunhas acham que é
coisa privada e também temem represálias. Todos se calam por isso.
É preciso que as pessoas coloquem a boca no trombone a
fim de protegerem as vítimas, levantando o véu do sigilo e da privacidade. É
verdade que a mulher de hoje, economicamente independente, sabe que existem
órgãos para ajudar quando o parceito torna-se abusivo. Algumas correm o risco
de abrirem o verbo publicamente e se recusam a ficarem caladas. Mas só umas
poucas pedem ajuda ou usam a ajuda das cortes jurídicas, ou da polícia, com
medo de perderem a permanência em suas casas.
Ajuda telefônica 24 horas, 7 dias por semana |
A maioria vive com medo de ser caçada pelo parceiro,
se fugirem. Campanhas como a "Say No to Violence" (Diga Não à
Violência) e "White Ribbon Day" (Dia da Fita Branca) tem ajudado a
aumentar a preocupação social e mudar as atitudes de muitos homens, cujo papel
em divulgar as mudanças para os amigos é fundamental.
Infelizmente, muitos culpados tem respondido em forma
de se esconderem atrás de um problema mental, gerado por ciúmes regados a
baixa-estima deles. Eles tentam destruir a auto-confiança das vítimas ao ponto
em que cada um torna-se prisioneiro do outro, o dependente do algoz e
vice-e-versa. Os indícios iniciais nestes casos são difíceis de serem
identificados. Chega a um ponto em que mulheres são assassinadas sem nem mesmo
terem sofrido nenhuma agressão física, dizem os pesquisadores, devido a este
processo incidioso.
Homem de verdade não bate em mulher |
A agressão não precisa ser física |
A mudança desejada na sociedade exige coragem para
rejeitar os homens dando suas desculpas tradicionais: eles dizem que não
acontecerá de novo, que estão estressados, pedem desculpas, e até choram. Muita
mulher cai nessa. Não interessa, eles estão cometendo atos criminais
indesculpáveis.
Muitos apelam para uma raiva temporária e passam por
cima do fato de que usam o controle financeiro como arma de punição.
Os australianos sempre culparam o comportamento embriagado
dos maridos como norma. Muitos homens cresceram em famílias sem pulso com
relação a isso, e muitas tem sido afetados seriamente por causa isso.
Se existe violência doméstica, as crianças denunciam em seus desenhos escolares |
As pesquisas mostram que crianças de famílias onde
reina a violência doméstica tendem a repetir o padrão quando adultas. Tanto as
mulheres procuram o masoquismo, quanto os homens tendem ao sadismo.
O problema se mantém através das gerações, mesmo
apesar das novas leis contra o abuso de bebidas alcoólicas nas ruas que
diminuiu a interferência delas nos ataques não domésticos.
Existe um termo comum relacionado à violência
doméstica: falta de respeito.
Violência doméstica leva a vida de uma mulher na Austrália a cada semana, denuncia a polícia do estado de Victoria |
Os modelos de comportamento na área esportiva estão
sempre muito envolvidos com a falta de respeito às mulheres, e as crianças
então copiam. A tarefa de conter a agressão a pessoas tem se tornada ainda
maior com a entrada do "cyber bullying" (ofensas via internet e redes
sociais), dificultando botar na cabeça destes jovens meninos se tornando homens
que brigas podem ser resolvidas sem conflitos e choques de personalidade não
precisam descambar para a violência.
Departamento regional da cidade de Cairns, estado de Queensland, de apoio às vítimas de violência doméstica |
O que a ministra da Família e dos Serviços Comunitários
está fazendo é re-engenheirando as penas para os perpretadores de violência doméstica.
Aí é onde mora o nó da Austrália.
Passos contra violência doméstica |
Todo brasileiro sabe que educação vem de casa. Os
australianos não sabem, coitadinhos. Ao invés de penalizar, eles precisam mais
é educar, precisam ter autoridade moral e não física ou financeira, mas a
tendência de todos estes países ditos afluentes é não atacar as fontes, mas as
consequências, e com isso acabam penalizando todo mundo, os maus e os bons,
tornando a sociedade injusta e insuportável.
A ministra Prudence Goward também pretende garantir
que as vítimas não tenham que repetir suas histórias funestas centenas de vezes
a fim de obterem ajuda, estabelecendo uma base de dados e gerentes de casos.
Trabalhadores do serviço social acreditam que os australianos tem sido
eficientes em manterem o silêncio com relação a violência doméstica, porque
eles parecem não ter ouvido muita coisa a respeito.
Centro de Queensland para Pesquisa da Violência Doméstica e em Família |
Campanhas como a "Shine a Light"
(Acenda uma Lâmpada) e "Herald and Daily Life" (O Herald e a Vida
Diária) objetivaram tirar o país da idade média e tornar mais fácil para as
famílias viverem em segurança, livres da violência doméstica.
Violência é inadmissível de qualquer maneira. Não
estamos mais vivendo no tempo das cavernas. Porém o mundo inteiro ainda tem
muito o que aprender.
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