Oi, minha gente, cá estou eu de volta
aguentando mais um ano destes 15 anos de Austrália. Austrália era só pra dois
anos.
No post "Feliz Natal de Luz",
me referi a que não existe mais nada interessante para fazer em Sydney. Minto.
É quando as pessoas passam para outro estágio. O problema é que não quero
passar para outro estágio, até porque é um estágio bem caro e de certo modo,
"perigoso".
É quando as pessoas passam para o
estágio de... jantar fora!
Na falta do que fazer, as pessoas então
inventam de jantar fora e ir para espetáculos como obrigação. Um para o prazer
da boca, comer, comer, comer, o outro para a sensação "cultural".
Bem, ir para espetáculos em termos de
teatro ou cinema não faz minha cabeça. Prefiro ler meus livros de papel, um
atrás do outro em casa e assistir à minha única estação de TV brasileira
acessível pela internet, a Globo, através de assinatura baratíssima.
O melhor é que posso escolher o que
quero assistir, pular as partes das novelas que são introduzidas pra fazer elas
renderem no tempo, e ainda enviar os links de reportagens interessantes para
as pessoas assistirem também, o que faço sempre com as reportagens positivas,
que são minoria mas ainda existem.
Ah, sim, eu gostava muito de cinema e
teatro (ah, se alguns cinemas de Recife falassem... praticamente comecei namoro
com meu marido dentro de um cinema que hoje só passa filme pornô... acho que
o nome do cinema é Astolfo, o mesmo nome da travesti Rogéria... ou será que foi
o Risk?).
Então sobra o jantar. Assim como no Brasil,
para se jantar fora gasta-se uma fortuna. Já deu pra perceber que não sou
abastada, e se fosse, ajudaria muita gente antes de gastar com jantares em que
se come granvanha, um tiquinho coloridinho aqui, outro tiquinho ali, até você
ficar sem as calças.
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Saskia Beers Barossa Farm (Fazenda da Sra Saskia Beers em Barossa, o vale dos vinhos, South Australia, http://saskiabeer.com/) |
Será que preciso falar que hoje em dia
está acontecendo uma verdadeiro pandemônio com relação a comida e mestre-cucas,
envolvendo competições e mais competições uma atrás da outra, entre equipes de
cerca de 10 candidatos que vão se extratificando semanalmente, a fim de ganhar
prêmios e encher o tempo das televisões comerciais? Será preciso dizer que,
além destas séries de estilo big-brother, a maior parte dos programas da
Austrália são sobre comida, mestre-cucas ou então sobre casas? Lógico,
propriedades e prazer pelo paladar, para quem quase nunca consegue prazer de outro
jeito nesta cultura.
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Restaurante Altitude no Shangri-La Hotel, the Rocks, Sydney |
Conheço pessoas que são
"adicted" (viciadas) em programas sobre casas. Sobre decoração, sobre
arquitetura, sobre jardinagem, sobre construção, marcenaria, sobre tudo o que
você pensar sobre o sonho da casa própria, que para os australianos é o paraíso
na terra. E sobre comidas, nacionais e internacionais, algumas vezes misturadas com viagens, descobrindo-se "flavors" (sabores) pelo mundo afora.
Destes protagonistas, a maioria é homem. Raramente aparece uma mulher cozinhando
hoje em dia, a não ser quando é para competir e ganhar dinheiro, bem típico de
como comporta-se a australiana hoje em dia, repassando suas tarefas domésticas
para homens "bonzinhos" e desavisados.
Mas, voltando ao jantar, nós não
pagaríamos os olhos da cara para reservarmos uma mesa e uma hora pela internet
ou pelo telefone, sentarmo-nos num ambiente estranho, passarmos um sufoco para
escolhermos um prato exdrúxulo sem saber tudo o que vem dentro, e não podermos
ficar conversando o quanto quisermos depois do jantar porque senão eles nos
enxotam com a vassoura para abrir vaga para o próximo, "next!",
correndo o risco de passar mal ou ficar com fome, quando no prato vem uma tira
de cenoura com um melzinho ao redor, uns pinguinhos e uma folhinha de coentro
com nome estrambótico como "Devils on Horseback" (Demônios a Cavalo).
Pior ainda quando vem tanta pimenta que você não consegue comer e perdeu seu
dinheiro.
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Ratatouille |
Descobri também que as pessoas
consideram "jantar fora" como um programa que não é de índio, lógico,
para experimentarem "novas sensações", "novos lugares",
"novos paladares", para saírem da monotonia. Ora, apesar da depressão
e da monotonia da minha vida na Austrália, não acredito que pagar os olhos da
cara para me aborrecer pague o preço de buscar novas sensações. Sensações eu já
tenho bastante na minha vida (dêem asas às suas imaginações), as melhores
possíveis, não preciso ficar "teasing" (tentando) meus outros
sentidos. Para mim, as soluções arquitetônicas ou os cenários estrambóticos dos
restaurantes não significam nada, e particularmente aqui na Austrália, garçons
não são exatamente feitos para lhe dar prazer e servir ao cliente. Já falei
aqui que antes eles preferem que a gente se ajoelhe aos seus pés e peça pelo
amor de Deus para ser atendido.
Ah, é nestas horas que me dá uma saudade
inaudita dos restaurantes brasileiros por peso. A gente fica uma semana sem
comer só pra se refestelar num deles e comer, comer, comer até estourar (bem,
exagerei um pouco aqui, a gente só pula uma refeição, he, he). Ah, a gente pode
comer desde escondidinho até salpicão, feijoada até sarapatéu, língua até
canelone, tudo de uma vez só, numa mistura abençoada. Nada de gravetos a peso
de ouro, pois o preço sempre paga tal estrago. Sem falar nos churrascos à
gaúcha, é claro, a comida brasileira de exportação por excelência, que faz os
estrangeiros suarem literalmente (nunca ouvi falar nisso, só aqui na Austrália,
dá suadouro porque se come muita carne, deve ser a falta).
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Restaurante em Caicó, Rio Grande do Norte, Brasil |
Sou chata, né? É difícil a gente
sobreviver sem entrar na conversa dos outros. Vá eu seguir a "cultura
australiana" e lá estou eu indo à falência e emagrecendo até adquirir
bulimia se for depender dos restaurantes chiques daqui, só para olhar a
paisagem pela janela (restaurantes com vistas para a cidade). O que eu
gosto mesmo é de ir aos restaurantes de churrasco gaúcho brasileiros em Sydney,
ou então a alguns portuguêses. Discriminação? Não, é simplesmente porque
gostamos da comida e ela vem em quantidade à lá brasileira, além dos preços serem
razoáveis. Pago pelo prazer de ser bem servida por garçons brasileiros bem
humorados ou no mínimo "adaptados", uma mistura de australiano com
brasileiro, o que na minha opinião, é a melhor cultura possível, tantinho
daqui, tantinho de lá.
Ah, esta minha última frase denota que o
australiano tem alguma coisa que preste dentro dele. Bem, meu marido diz que a
melhor cultura é a mistura das duas porque pega-se o que há de melhor em cada
uma (e não o que há de pior, por favor). Se o australiano fosse sincero como o
brasileiro nordestino ou vice-e-versa, o brasileiro seria mais educado,
respeitaria mais a privacidade dos outros sem distanciar-se emocionalmente,
teria sempre boas palavras de encorajamento para dizer em qualquer situação e
teria uma espécie de "fino-trato" ao lidar com as pessoas tipo
educação e respeito, enquanto o australiano iria aprender o que significa amor
e amizade, tornar-se descontraído e feliz de verdade, ter mais consideração e
menos discriminação com os outros, só pra citar alguns aspectos. Esqueçamos o
lado ruim das nossas culturas, por favor.
Portanto, como eu comecei este post
falando que mentia sobre as atrações de Sydney, quando a gente enche o saco da
mesmice de tudo, só sobra as sofisticações dos sentidos, ou seja, ir a restaurantes
ou a shows. Quanto a shows de música, sinceramente, bastaram os que fui no
Brasil, não são minha praia também não.
Alguma sugestão dos leitores? Por favor,
não me mandem fazer excursões ou cruzeiros. Pra cada um eu tenho uma coleção de
críticas pra despejar também. Parece que, sem querer, estou me tornando uma
coroa inglêsa "cranky" (rabugenta). O estereótipo da senhora inglêsa
é justamente esse, intolerante, crítica e mal humorada. Pois bem, esta sou eu.
Porém, como sou brasileira, então não sou assim com as pessoas, muito pelo
contrário. Vai ver que é porque acredito em Deus, pecado mortal na Austrália e
motivo de zombaria...
Só tenho prazer de ir almoçar ou jantar
fora quando estou no Brasil. Por quê? Porque geralmente estou acompanhada de
várias pessoas, minhas amigas, primos, parentes, amigos, uma pá de gente. Além
disso, podemos conversar muito sem nos preocuparmos em sermos despejados da
mesa. Frequentemente no restaurante também tem uma mesa imensa cheia de vários
tipos de saladas e pratos frios, sem falar em outra mesa repleta de sobremesas
onde você pode comer não só uma, mas 10 ao mesmo tempo, se quiser, um
verdadeiro sonho. Sem falar na famosa salada de frutas que meu marido baba.
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Salada de frutas brasileiras |
Não, aqui na Austrália não tem salada de frutas, e se tiver, vão ser só 3
frutas tipo maçã, melão e abacaxi, no seco, sem suco.
Uma vez meu marido foi a um almoço anual
com a turma de trabalho, fez esta concessão para se arrepender amargamente
depois. Neste, ele tinha que pagar do próprio bolso. Tá bem, vamos ver como é
que é e dar o dom da nossa graça. O prato foi um desastre, uma simples
saladinha com nome pomposo, lhe deixando com fome, mas o mais interessante foi
que a garçonete, pra variar, não sabia quem havia pedido o prato, então passou
direto dele. Quando ele, que não sabia o nome da coisa e também não estava a
fim de perder mais tempo pois o prato havia demorado muito por ser
"diferente dos outros", estalou os dedos para chamar a atenção da
nojenta. Ela então voltou, largou o prato lá mas fez questão insolente de dizer
que não era preciso estalar os dedos (que ela não era cachorra não, ficou subentendido). Ora, e porque não? Vai ver que só se
estala dedos pra cachorro aqui na Austrália. Mas, então, o que é que ela era
mesmo?
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Se aprochegue... |
Meu marido jamais retornou àquele
restaurante, obviamente, pois foi convidado várias vezes depois. O diabo é que
as pessoas daqui acham isso normal, engolirem estas coisas sem
reclamarem, elas não conhecem outros lugares para ter o que comparar,
mas nós temos. Quando o brasileiro abre a boca no exterior para dizer
"eu estou pagando, me atenda direito e com respeito", não sei
nem o que estas coisinhas nojentas pensam, a agora nem mesmo estou interessada.
Antes eu achava falta de educação do brasileiro, mas depois de alguns anos
vivendo no exterior, eu acho eles certíssimos e corajosos. É isso mesmo, eles
merecem.